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És_criativo(a): atividade de escrita

Partilha de textos

És_criativo(a): atividade de escrita

Partilha de textos

O vizinho de Matilde - 2ªparte

17.12.22

(continuação)

Os dois entraram, Daniel não parava de olhar ao seu redor com receio que alguma coisa o pudesse magoar. Quando chegaram à cozinha, Daniel fechou todos os armários, janelas e portas para que não houvesse nenhuma fresta por onde aquele ser o pudesse observar. Alex olhou para ele, confuso, mas não lhe deu muita importância. Alex era um bom amigo, mas sempre achou que Daniel batia mal e que não devia acreditar no ele dizia.

Depois de uma longa conversa no sofá, acompanhada por um copo de whisky, claro, Alex explicou em que enrascada se tinha metido desta vez. Daniel deixou o Alex ficar, com uma condição, ele não podia entrar no quarto de Daniel em nenhuma hipótese. Já era humilhante para Daniel saber que estava a enlouquecer, não precisava que os outros soubessem. Alex concordou. Já era bastante tarde depois daquela conversa, por isso os dois decidiram ir para a cama. Daniel não queria dormir, mas estava exausto.

Foi para o segundo andar, passou por aquele mesmo barulho de goteira, olhou para cima e, por um segundo, podia jurar que tinha visto um vulto no teto, mas o sono era tanto que o ignorou, sabendo que era apenas a sua cabeça. Chegou ao seu quarto e, mais uma vez, trancou tudo para que não houvesse nenhuma fresta. Deitou-se na sua almofada e adormeceu instantaneamente.

Daniel acordou no que sabia ser o meio da noite, rodou para o lado, o relógio marcava duas e onze da manhã e Cerveja estava ao fundo da sua cama, como sempre. Incrivelmente não tinha tido nenhum pesadelo e voltou a rodar para o outro lado. Mas apercebeu-se de que, antes, tinha trancado tudo, menos uma coisa. Burro! Como se podia ter esquecido do armário ao lado da sua cama! Parece que quendo se perde a sanidade as pessoas ficam mais burras e Daniel era a prova disso. Permaneceu quieto, com medo de que algum movimento pudesse provocar o que quer que fosse que estava dentro daquele armário. Enquanto estava a pensar em não fazer nenhum tipo de deslocação, um som deteve-lhe o raciocínio. Parecia que alguém se estava a engasgar. Mas, de uma maneira mais bizarra, se pudesse ficar mais bizarro do que já estava, Daniel continuou imóvel, querendo saber o que iria acontecer a seguir. A causa do barulho parecia estar a subir para a cama de Daniel e ele conseguia sentir a sua cama a afundar. Queria gritar para Cerveja sair dali, mas a gata pareceu não se importar com o que quer que estivesse a subir a cama e ele estava congelado de medo. O barulho ficava mais alto e os passos continuavam. Não pareciam passos, mas sim alguém ou alguma coisa a rastejar em direção a Daniel…

A única coisa que tens de fazer é gritar. Grita! Daniel continuava congelado, nenhum som parecia sair da sua boca. Mais passos, cada vez mais altos. A criatura parecia andar em cima de alguma gosma, seria baba? Mais passos, aquilo não parava de se engasgar. Mais passos. Mais passos. Mais passos. Até que tudo parou. O silêncio era tão desconfortável. Já tiveram a sensação de que alguma coisa terrível está prestes a acontecer?

Daniel não ouvia mais nada. Até que sentiu alguma coisa a pingar na sua cara. Era óbvio, só podia ser uma coisa a escorrer pela sua cara. Uma lágrima. Mais uma e uma... O bicho não parava de chorar. Daniel não conseguia fazer nada. Ele estava completamente imóvel e sem conseguir falar. A única coisa que sentia era pavor. Naquele momento, tudo era um pavor. Não conseguia sentir mais nada, ver mais nada a não ser pavor. Grita! Se gritares tudo acaba. Não sejas idiota, abre a boca e grita. Nada. Ele estava à mercê daquele monstro...

De repente, acordou. Bom dia. Eram duas e onze da tarde, marcava o relógio na sua mesa de cabeceira. Finalmente conseguia mexer-se. A primeira coisa que fez foi olhar para o armário. Estava fechado. Aterrorizado, levantou-se da cama e foi até ao armário. Tinha as mãos a tremer, mas conseguiu abrir. Lá dentro estavam as suas roupas, o que mais podia lá estar?! Estes malucos de hoje em dia!... Suspirou, não tinha a menor ideia do que se tinha passado, a cada dia que passava, mais louco estava a ficar e ele sabia disso.

Tomou um banho e foi direto para a sua cozinha, precisava desesperadamente de um café. Quando chegou, Alex estava a ver televisão e a comer. Alex disse-lhe bom dia, mas Daniel não se deu ao trabalho de responder. Quando abriu o armário, percebeu que as ervilhas em escabeche tinham acabado. Porcaria! Comeu uma maçã e bebeu o seu café. Já não bastava ser louco, ainda tinha que ter um paladar estranho. Depois de os dois terminarem de comer, Daniel disse a Alex que ia ao supermercado comprar ervilhas. Alex ofereceu-se para ir com ele e Daniel aceitou.

Quando chegaram, Daniel limitou-se a pegar numa lata de ervilhas e foi para a fila. Enquanto estava na fila, Alex contou-lhe uma piada, mas Daniel não se riu, estava nervoso, e frustrado. A mulher à sua frente estava atrapalhada com os cheques. Que raio de pessoa vai ao supermercado e paga com cheques?! Não sei quem é mais louco, o Daniel ou a mulher dos cheques. Ela virou-se para trás e Daniel conseguiu ver a sua face, mas uma coisa lhe chamou a atenção. Ela sofria de uma condição chamada heterocromia, um olho dela era verde e o outro, sendo um pouco invulgar, de cor amarela. O olhar dela parecia-lhe familiar. Deixava-o desconfortável olhar para ela, mesmo sendo ela uma moça bonita. O olhar dela parecia misterioso, perigoso. Parecia que, quanto mais olhava para o olho dela, ela olhava diretamente para a sua alma, procurando segredos, os mais sombrios. Rapidamente, ela virou o rosto. Barafustou com a mulher, não queria, mas estava com pressa de ir para casa.

Quando chegou, arrumou a lata de ervilhas no armário e foi direto para o seu escritório. Mais uma vez, passou pela goteira. Desta vez, estava mais alto o som. Mais alto. Daniel caiu no chão de joelhos, tapou os ouvidos com as mãos. Não aguentava mais. Gritou…

O que Matilde não sabia é que ela tinha acabado de levar um homem à loucura, apenas porque se sentia sozinha e olhava para o quintalório do vizinho.   

Atividade de Escrita Criativa

Literatura Portuguesa - 10.ºF

Maria Eira

O vizinho de Matilde - 1ªparte

16.12.22

E Matilde a ver de longe, com enlevo…

O binóculo russo, de Mário de Carvalho

Daniel colocava a chave na fechadura da porta da sua casa, um alojamento luxuoso com dois andares, com um pátio na parte de trás, quando deixou cair a sua mala. O dia dele não tinha sido muito bom, as suas alucinações tinham voltado e ele não sabia o porquê. O homem tinha seguido todas as indicações do médico, mas, mesmo assim, elas voltaram. Maldição! Quando girou a chave e abriu a porta, foi recebido pela sua pequena gata, a Cerveja. Daniel adorava aquela gatinha. Ela era a única coisa que o ajudava quando as suas crises retornavam. Ele tinha voltado para sua casa mais cedo, pois estava muito cansado para trabalhar. Então, para aliviar alguma tensão que estava acumulada nos seus músculos, decidiu tomar um banho quente. A sua empregada, a Judite, devia andar a tratar da roupa. Nem se importou em chamá-la, não a queria incomodar. Subiu para o andar de cima para lá tomar o seu banho.

Quando chegou perto do seu escritório, que ficava no caminho para a casa de banho, ouviu um som bem familiar para ele, uma espécie de goteira. Olhou ao seu redor, mas não viu nada, mais uma vez. A goteira já acontecia há algum tempo, mas parecia que só ele conseguia ouvi-la. Judite já tinha dito inúmeras vezes que eram coisas da cabeça dele, mas ele insistia que era real. Mais uma vez, os loucos a tentarem dar explicações para aquilo que ouvem ou deixam de ouvir. Sabendo que aquilo já era uma coisa normal, seguiu para a casa de banho.

O que viu ao espelho quase o assustou, era ele no reflexo, a sua barba continuava azulada, o seu cabelo cinzento, as suas vestimentas eram as mesmas, mas alguma coisa parecia diferente. Daniel olhou mais perto no espelho e foi aí que ele percebeu que o seu olhar era o que estava diferente, não era o mesmo olhar que ele costumava ter, era um olhar vazio, talvez um olhar de alguém que estivesse a enlouquecer aos poucos.

Daniel tomou o seu banho, deviam ser umas quatro da tarde, mas ele não se importava muito com as horas, pois sabia que a sua mente podia trocar-lhe as voltas a qualquer momento. Fez a única coisa que sabia que iria acalmá-lo: retirou-se para o seu pátio cheio de flores e um belo caramanchão que também estava rodeado por pequenas flores roxas. Adorava flores, especialmente as de cor roxa. No caramanchão, Daniel sentou-se e começou a ler um livro chamado “Cultive a sua vontade de vencer”. Não gostava muito do livro, ele apenas queria uma distração.

O homem estava entretido a ler, estava no capítulo que falava sobre Júlio César, um imperador romano muito famoso, quando se apercebeu que alguma coisa não estava certa. Ele tinha uma sensação estranha, mas não sabia descrever o que era, apenas sentia que parecia que estava a ser observado, talvez pela fresta da vedação do quintalório abandonado, mas não podia ser. Daniel achava que devia permanecer quieto e não dar importância às suas alucinações, mas a sua vontade de olhar para o lado era muito grande. Não iria haver nenhuma consequência se ele olhasse para o lado por um milésimo de segundo, pois não?

O homem então olhou para o lado e, bem, na fresta da vedação viu um olho que tinha a pupila amarela e estava a chorar uma lágrima preta! Daniel queria desviar o olhar, mas não conseguia e, quanto mais ele olhava, mais o olho chorava. Pensou no que tinha feito de mal para aquele pequeno olho estar a chorar. Ele, que tinha entrado em transe, foi acordado por Judite que estava a chamá-lo para jantar.

Como assim? Ainda não eram oito horas! Atordoado e em choque, olhou para o seu relógio por que tinha muito carinho, afinal era uma herança de família que veio da Rússia. O relógio marcava oito horas em ponto. Ele não conseguia acreditar que o tempo tinha passado tão rápido, mas sabia que, para a sua cabeça, o tempo era uma coisa estranha. Entrou para dentro de casa, para ir jantar.

Judite tinha feito o seu prato preferido, Bacalhau-à-Brás, e isso deixou-o um pouco mais tranquilo. Enquanto jantava, ele e Judite viram uns desenhos animados para o acalmar. Judite sabia que as crises de Daniel tinham voltado, já o conhecia desde criança e sabia o que fazer para o tranquilizar.

Depois de jantar, tomou a sua medicação e foi deitar-se para o que ele sabia que seria uma noite infernal. O seu sono não foi nada calmo, teve vários pesadelos e, quanto mais fechava os olhos para tentar adormecer de novo, mais vezes ele via aquele maldito olho a chorar… O que teria feito ele para merecer ser assombrado daquela maneira?

Na manhã seguinte, sabendo que não iria aguentar um dia de trabalho, depois de ter passado a noite em branco, decidiu ficar em casa. Não insistiu em dormir, pois ele sabia o que iria acontecer se ele fechasse os olhos mais uma vez, então, foi tomar o pequeno-almoço. Sentiu que alguma coisa estava em falta e de imediato se apercebeu que Cerveja não estava no seu quarto, ela sempre dormia no seu quarto. Questionou-se se talvez o monstro da fresta a tivesse levado, mas não era possível, ela era apenas uma gata inocente, o que quereria aquela coisa com ela? Amedrontado, seguiu pelo segundo andar fora, ouviu a goteira de novo, mas nem lhe deu importância, a sua gata era muito mais importante do que o que quer que fosse aquela goteira. Procurou por todos os pontos da casa, mas não a encontrou, até que, por fim, chegou à cozinha onde viu Cerveja em cima de um armário antigo muito alto, onde ela de certeza não podia ter chegado sozinha ou, pelo menos, Daniel achava que não. Tinha a certeza que tinha sido o monstro a colocá-la lá. Aquele monstro queria a sua desgraça, mas não sabia como lidar com alguma coisa que só os seus olhos conseguiam enxergar. Com muito cuidado, retirou a gata do armário.

Judite ainda não tinha chegado, então decidiu fazer ele próprio a sua refeição. O homem ainda estava um pouco apreensivo, porém, decidiu seguir com a sua rotina.

De tarde, voltou ao caramanchão para ler. Tinha o mesmo livro na mão, mas desta vez lia sobre Napoleão Bonaparte, um famoso estadista e militar francês que ganhou destaque durante a Revolução Francesa. Sentara-se desta vez mais alerta.

Passou-se algum tempo e ele pensou que talvez a sua cabeça lhe estivesse a dar algum descanso. Que patético! Parou de ler, olhando em volta para admirar o seu pátio, e foi aí que o viu de novo e sentiu aquela mesma sensação. Na fresta da vedação estava o olho, desta vez a sua pupila enorme e amarela estava dividida, como se de alguma maneira a criatura o conseguisse ver melhor assim. O olho continuava a chorar, cada vez mais e mais lágrimas pretas e parecia que estava cada vez mais perto. Desta vez, Daniel não quebrou a linha de visão que tinha com o olho e decidiu enfrentar, de uma vez por todas, este monstro azarento. Continuou a olhar e cada vez mais o bicho parecia chegar perto. Parecia que finalmente a criatura ou o quer que fosse aquilo estivesse a chegar ao seu destino, quando Daniel ouviu um grito e desviou o olhar. Como podia ser tão estúpido ao ponto de perder tempo com uma coisa que nem sequer existia. Quando Daniel ouviu o grito, virou a cabeça em direção ao mesmo e viu um dos seus melhores amigos, o Alex. Daniel foi até ele, irritado, porque parecia que quanto mais olhava para o bicho mais perto estava de alguma espécie de verdade que lhe ia ser revelada. Daniel já sabia o que o Alex queria. Cada vez que Alex se metia em algum sarilho, vinha sempre pedir um sofá e um copo de whisky a Daniel. (continua)

Atividade de Escrita Criativa

Literatura Portuguesa - 10.ºF

Maria Eira

Do diário de Afonso X

15.12.22

Dom Airas, pois me rogades

Afonso X

Acabei de chegar aos meus aposentos. Dói-me a cabeça de tanto pensar. Eu sei que sou um bom rei, mas, mesmo assim, ninguém imagina como governar uma nação é tão difícil! Que patetice a minha… se não fosse difícil, o trono não seria tão bem ornamentado!

Ainda por cima, Dom Aires pediu-me um favor… Eu sabia que ele ia dar problemas… Sempre com aquele jeito egocêntrico e aquela mania de querer todas as jovens da região. Ele já se tinha metido com damas casadas antes, mas, desta vez, o marido descobriu e agora quer a cabeça dele numa lança! A minha cabeça não para de doer. Estou a ficar velho e a minha cabeça anda cansada. Por mim, D. Aires pode ir clamar aos montes e assim causará menos problemas.

Enfim, vou abandonar esta minha escrita e lidar com o problema de D. Aires. Sim, vou escrever uma cantiga de maldizer para lhe responder ao seu pedido:

Dom Airas, pois me rogades (…)

Atividade de Escrita Criativa

Literatura Portuguesa - 10.ºF

Maria Eira

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