Carta ao meu Pai
Querido Pai,
Continuo a escrever-te para que a memória não me traia e para que tudo o que me lembro, mesmo se escasso, nunca se perca.
Estou sentada cá fora, como costumávamos estar, a relembrar todas as brincadeiras que tínhamos e todas as risadas genuínas que compartilhámos. O tempo não nos permitiu que as brincadeiras fossem duradouras e que nos fosse possível viver mais…
Atualmente, limito-me a contemplar o céu, o lugar que ficou mais preenchido desde que te recebeu, o lugar aonde agora pertences.
Já não sou capaz de chorar ou de me lamentar por te ter perdido, porque sei que a vida te quis no melhor de ti, mesmo que isso signifique não manteres mais o contacto connosco.
A verdade é que a perda me trouxe consequências. Tive de crescer depressa demais, fingir sarar as feridas com igual rapidez e ajudar a mãe a curar-se da dor avassaladora que a tua partida lhe provocou.
A verdade é que a dor foi-se alastrando até aos dias de hoje. Quem me dera ter gritado tudo o que podia, chorado tudo quanto queria e desabafado tudo quanto em mim era tumultuoso! Mas não pude… A felicidade da mãe dependia de mim, por isso, mantivemo-nos fiéis e resguardamo-nos sempre.
Atualmente, consideram-me uma pessoa fria porque não consigo demonstrar o que sinto. Talvez seja o medo ou talvez por não me considerar merecedora do amor, desde o dia em que partiste.
Enfim, a vida revelou-se sempre tão injusta que me vi muitas vezes perdida. Procurei sempre ocultar a minha dor, porque, uma vez, disseram-me que quando se diz a alguém onde dói é aí que batem. E a vida sempre soube bater-me quando eu me permitia sentir.
A tua morte deixou uma dor que ninguém pode curar porque nela está a tua ausência.
Um beijo, Pai.